Donald Trump deixa a presidência dos EUA pela porta dos fundos da Casa Branca, com um índice de reprovação histórico, em grande parte porque o gerenciamento criminoso da pandemia já provocou 400 mil mortes naquele país. Criminoso, porque foi um grande agente de disseminação de mentiras, ironizando orientações de especialistas em epidemiologia, desacreditando a ciência e retirando a participação da principal potência econômica do mundo da Organização Mundial da Saúde (OMS). Contudo, tal negacionismo absurdo e genocida afetou também outras áreas fundamentais para a vida, como o combate às mudanças climáticas. Dessa forma, a posse hoje de Joe Biden é um alento não só para as pessoas daquele país, mas também para todas as pessoas que defendem o meio ambiente, inclusive as pescadoras e os pescadores de açude do Ceará.
E por que isso? Como já explicou Papa Francisco na encíclica Laudato Si, vivemos numa grande casa comum, que é o planeta. Somos parte de um grande sistema, onde cada ação realizada aqui, afeta ali, e se tivemos uma das maiores secas desde que se há registro nas regiões dos Inhamuns e Crateús, seguido de enchentes que arrebentaram barragens e causaram enormes prejuízos, os especialistas explicam que isso é consequência do aquecimento global, que só pode ser combatido se revermos de forma urgente a forma como construímos as riquezas no mundo. O mundo não pode resistir mais a tanto desmatamento, a tanta poluição, a tanta destruição de rios, nascentes, da fauna e da flora. O mundo não suporta mais o capitalismo.
As principais vítimas da consequente falta de água, devido às estiagens prolongadas e a poluição de mananciais, são as pessoas empobrecidas. As que historicamente foram colocadas à margem da sociedade. E nesse grupo encontram-se as comunidades tradicionais pesqueiras de açude. Ora, se não chove, o açude não enche. Se não enche, não há peixe. E esse grupo de pessoas, sobretudo as mulheres, que sempre foram invisíveis perante parte da sociedade, acabam ficando sem o principal meio subsistência. E foi bem durante essa grande estiagem que o Projeto “Pescadoras e Pescadores Artesanais: Construindo Bem Viver no Sertões dos Inhamuns e Crateús” iniciou os trabalhos, colaborando para que políticas públicas fossem conquistadas, cursos e oficinas que capacitaram tal público para diversificação das formas de gerar renda, etc.
Contudo, embora muito importantes, tais ações são paliativas diante do enorme desastre ambiental que estamos experienciando. O ano de 2020, marcado pela pandemia, pelo negacionismo de Trump e Bolsonaro, também foi o mais quente da história. Ambas as lideranças questionam as mudanças climáticas, disseminando discursos de “pós-verdade”, negando a ciência também para esse tema. Joe Biden, que não deve ser visto como o salvador do mundo, longe disso, já anunciou que os EUA vão retomar o Acordo de Paris, que prevê metas ambiciosas na redução da emissão de gases poluentes, para reduzir o aquecimento global. Com isso, o governo Bolsonaro vai ser pressionado por um dos principais parceiros comerciais a rever a política ambiental.
Ainda é cedo para dizer que isso, de fato, vai causar um impacto efetivo na forma como lidamos com nossa Casa Comum. Mas o fato é que a posse de Biden hoje é uma enorme derrota política para Bolsonaro, para o negacionismo, o fascismo, para as várias expressões de extrema direita que perigosamente se espalham pelo mundo. E, consequentemente, é sinal de esperança para as comunidades tradicionais, grandes guardiães da Mãe Terra. Hoje é dia de celebrar esse importante passo no chão do caminho que nos leva à sociedade do Bem Viver.
Por Eraldo Paulino, comunicador popular da Cáritas Diocesana de Crateús