XVII Feira de Crateús – A esperada volta à praça depois de dois anos

A XVII Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária dos Territórios Inhamuns e Crateús finalmente voltou à praça Gentil Cardoso, em Crateús, após dois anos desafiadores de pandemia, com tema “Agricultura familiar e democracia: Resistência para o Bem Viver”. Ainda com restrições, pois medidas sanitárias de prevenção ainda são necessárias, mas voltar ao aconchego da rua, poder rever amigas e amigos que se encontram anualmente no evento, foi uma espécie de prêmio pela resiliência em tempos de negacionismo, de luta por vacina e por sobrevivência. Fazendo memória às artesãs, aos artesãos, às agricultoras e aos agricultores que se foram, o sentimento de quem segue construindo essa jornada é de esperançar e de seguir na luta.

“Eu já estou achando essa feira melhor que a de 2019, a última que tivemos presencial. Parece que tanto o público quanto nós feirantes estávamos com muita vontade de voltar, e isso se traduz nas ótimas vendas que estamos fazendo”, exaltou Vandinha, feirante de Ararendá. Sentimento compartilhado por Fátima Lima, da comunidade Cacimba Segura, em Tamboril. Para ela, o sentimento foi de alegria por poder apresentar e comercializar novamente os produtos na feira. “Esse ano o inverno foi generoso, fez água pra gente produzir, pra guardar e dar aos animais, e isso ajudou a feira a ser um sucesso”, avalia a feirante.

Bruno Oliveira, titular da Secretaria de Negócios Agrários de Crateús, município que sedia o evento, também avalia que as chuvas que caíram nos sertões em 2022 foram generosas, e isso se tornou perceptível na produção que as e os feirantes trouxeram para comercializar. “O prefeito Marcelo Machado não pôde vir saudar vocês, por questões de saúde, porém, não só hoje mas em toda a feira ele me pediu para não medir esforços para que pudéssemos dar a melhor estrutura possível”, declarou o secretário, se dirigindo às e aos feirantes e ao grande público que se fez presente.

Já Glória Carvalho, mais conhecida como Glorinha, que atualmente é secretária da Cáritas Brasileira Regional Ceará, ressaltou a importância que a Feira de Crateús tem e manifestou a felicidade pelo fato de poder retomar aos poucos a “normalidade” das ações. “Já é uma alegria ver tudo que conseguimos realizar nessa edição, e esperamos que nos próximos anos possamos voltar a participar enquanto rede, com representantes de todas as regiões do Brasil nessa grande celebração da Economia Popular Solidária, da construção de uma outra economia possível”, declarou.

Adriano Leitão, atual coordenador da Cáritas Diocesana de Crateús, explicou que o grande dia de comercialização, que iniciou na manhã de ontem, 03, e terminou às 21h, é a culminância de uma séria de eventos que iniciaram há uma semana, em parte presenciais e em parte remotos. E o deputado estadual Carlos Felipe ressaltou que embora ausente fisicamente, por questões pessoais, a presença da irmã Francisca Erbenia Sousa pôde ser sentida em tudo que envolve a Feira, como uma pessoa apaixonada pela agricultura familiar e economia popular solidária, e uma das pessoas que mais se esforçou para que o evento atualmente tenha caráter internacional. “Estamos trabalhando para que no ano que vem a Feira de Crateús tenha ainda mais investimentos, porque quem trabalha produzindo alimentação saudável merece”, concluiu.

CIRANDA DE AFETOS

Para a XVII Feira de Crateús ser possível, uma grande ciranda de afetos, de voluntariado, sonhos e ações acontece, desde que termina a última edição até a culminância na grande comercialização. Desde assembleias de construções, assembleias de feirantes nos municípios, até a realização de seminários, encontros, intercâmbios, oficinas e outras ações na semana do evento, tudo isso são camadas de algo que é mais que uma simples “feira”, mas parte de um grande movimentação de construção de um novo mundo possível, em que, por exemplo, as relações interpessoais ocorram sem opressões de gênero ou raça; as relações com a nossa Casa Comum sejam harmoniosas; as relações com os nossos corpos sejam de cuidado e proteção; as relações econômicas sejam justas e solidárias.

Por isso, a primeira grande ação da semana de eventos fora o Passeio Ciclístico, num tempo em que as fontes de energia fósseis são questionadas, em que a saúde mental e física está em grande foco, nada mais coerente do que uma atividade física, leve e saudável para dar a largada de grandes eventos, que trouxeram muitas reflexões, falas empoderadas, testemunhos de vida, partilhas de conquistas e aflições, proporcionando a quem conseguiu participar, seja das atividades, seja indo à praça comprar produtos diretamente de quem produz, uma energia renovadora, de esperançar os corações mais céticos. Abaixo destacaremos algumas dessas atividades.

LIVE DE ABERTURA

Realizada na última segunda, 30, com uma audiência de mais de 2 mil pessoas, a live de abertura da XVII Feira contou com a participação do prefeito de Crateús, Marcelo Machado, que oficialmente declarou aberto o evento. Além dele, fizeram pronunciamento Carlos Humberto, secretário executivo da Cáritas Brasileira, Armando Stefani, presidente do consórcio Brasil Trentino (que participou da Itália), Dom Ailton Menegussi, bispo da Diocese de Crateús, Carlos Bruno, representando as/os feirantes, Ana Uchôa, representando o IFCE, Jonathan, representando a Fetraece, e Edilson Barros, que cantou o hino da Feira, como não poderia deixar de ser. Abrilhantou o evento a voz de Fatinha Veras, agente Cáritas e um nome que já tem a cara da cultural da Feira, e que também encantou nossas almas e corações durante o período mais agudo da pandemia. Como não poderia deixar de ser, foi ela quem viria a encerrar o evento acompanhada por sua banda.

JUVENTUDES

Realizamos na última terça, 31, às 18h30, o Intercâmbio Juventude Pesqueira, promovido pela Cáritas de Crateús e o Conselho Pastoral dos Pescadores. Contamos com a participação de jovens do sertão e do litoral cearense, onde partilharam vivências com a pesca em suas comunidades. “O que é ser jovem no seu território?”

Foi esta pergunta que orientou a roda de conversa com esses e essas jovens. Os jovens dialogaram e refletiram a partir da história de cada um/a, a autoidentificação em ser pescador/a como um processo importante para a continuidade e existência desses povos nos territórios das águas, os desafios enfrentados no dia a dia com a invasão dos grandes projetos, a exclusão e falta de assessoria a esse povo, a falta de políticas públicas e acesso à educação.

Finalizamos o momento com propostas de inserção desses jovens em espaços de redes, movimentos e organizações para unir essas pautas e a esperança de realizar encontros presenciais entre a juventude.

Também no dia 31 ocorreu o segundo Encontro Nacional da Juventude e Economia Solidária da Rede Cáritas. O encontro aconteceu de forma virtual, e envolveu vários jovens do Brasil. O grupo The Four+1 da comunidade Lagoa do Anjo, do município de Parambu, é acompanhado pela Cáritas Diocesana de Crateús, através do programa Infância, Adolescência e Juventude (PIAJ). Os mesmos partilharam experiência com a produção de artesanato em papelaria. Esse foi um momento de construção partilhada de conhecimentos entre os participantes, entendendo a importância da economia solidária como uma ferramenta que contribui para a permanência das/os jovens nos seus territórios a partir da geração de renda coletiva.

Na quinta, 02, e na sexta, 03, foi realizada a Caravana pela Vida da Juventudes, com o tema: “Semeando, Tecendo e Esperançando: bem vivendo no semiárido”, reunindo jovens de vários territórios do Ceará.

PESCA ARTESANAL

Foi realizado na última quinta, 02, o IV Seminário Interestadual das Pescadoras e Pescadores do Nordeste, com tema “Pesca Artesanal e Democracia: Resistência para o Bem Viver”, com a participação de pescadoras e pescadores de açude e do litoral do Ceará, do Maranhão e do Piauí. O debate girou em torno da conjuntura do atual cenário da pesca artesanal nesses territórios, com destaque para alguns desafios, como o do recadastratamento, que tem excluído muitas trabalhadoras e trabalhadores. Diante do que foi debatido, foi encaminhado um plano anual de incidência política. Entre as entidades que construíram o evento estavam, a Cáritas Diocesana de Crateús, o Conselho Pastoral dos Pescadores, o Movimento Nacional dos Pescadores (MPP) e Articulação Nacional das Pescadoras (ANP).

Na sexta, 03, foi realizado intercâmbio para conhecer a experiência da Colônia de pescadoras/es de Novo Oriente, em que foi possível experienciar um pouco da realidade local e fazer partilha de conhecimentos e vivências entre pescadoras/es de açude e do literal.

SEMINÁRIO E INTERCÂMBIO DO PROJETO BRASIL TRENTINO

O projeto “Brasil e Trentino: Novas Oportunidades de co-desenvolvimento”, realizado em parceria pela UFC, pelo Consórcio Brasil Trentino, Cáritas Diocesana de Crateús, We World e EFA, encerrou suas atividades, e os resultados foram apresentados em seminário virtual, na última quarta, 01 com participação de 226 pessoas. No dia seguinte, foi realizado Intercâmbio sobre Práticas de Irrigação para a Agricultura Familiar e Camponesa, na EFA Dom Fragoso de Independência, com participação de representantes das seguintes organizações:

IFCE – Campus Crateús, Esplar, Fetraece, Sindicato das/os Trabalhadoras/es Rurais de Independência, Sindicato das/os Trabalhadoras/es Rurais de Parambu, Faculdade Princesa do Oeste, Secretaria de Agricultura de Independência, Ematerce de Independência, EFA Ipueiras, EFA Tinaguá e EFA Jaguaribana.

Durante a atividade foi possível perceber como a EFA de Independência, que já era uma das maiores referências em Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido do Ceará, se tornou ainda mais estruturada com esse projeto, que foi apresentado muito bem não apenas pelas/os professoras/es, mas principalmente pelas e pelos estudantes.

EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA

A WeWorld e a Cáritas Diocesana se reuniram na última quinta, 02, para o Intercâmbio Experiências Exitosas de SaD e Educação Contextualizada, em Quiterianópolis.

Aqui se fizeram partilhas sobre a realidade vivida pelas escolas apoiadas pelo Projeto Solidariedade à Distância (Ipaporanga, Quiterianópolis, Tamboril), se cantou, e se apresentaram as dificuldades vividas pelas comunidades escolares durante a pandemia, e como a existência do SaD veio ajudar a minorar algumas dessas dificuldades, através da entrega de álcool desinfetante, máscaras, alimentos, entre muitas atividades destinadas a retornar as suas vidas ao normal, dentro das possibilidades.

Num círculo de partilhas sobre os sentimentos relativos ao SaD, “Gratidão” foi a palavra mais repetida. E é isso que a WeWorld Brasil sente relativamente a todas as pessoas e organizações que trabalham com a gente: extrema Gratidão.

Na última sexta, 03, foi realizado o Seminário de Educação Contextualizada sobre a Convivência com o Semiárido: da teoria à prática.

O encontro se destacou pela sua intensidade e pela dedicação de todos os envolvidos, e pelos testemunhos dos frutos da Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido, que se dão não apenas melhorando o processo de ensino/aprendizagem, mas também na relação escola e comunidade, entre crianças e adolescentes e escola, entre famílias e escola, e todos esses atores e atrizes com o meio ambiente, seja no campo ou na cidade.

A educação contextualizada acontece onde há muita chuva, mas também onde chove menos; onde faz muito frio e onde faz muito calor; está no planejamento das aulas mensais, no alinhamento de necessidades e oportunidades. Ou seja, no modo de ser e fazer educação pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada.

SEMENTES

Na última sexta, 03, foi realizado Intercâmbio Diocesano com guardiões e guardiãs de sementes, que contou com a partilha de Raimundo Pereira, da Diocese de Iguatu, que a partir da agrofloresta implementada percebeu, junto com a comunidade, a necessidade de cuidar, armazenar e distribuir sementes crioulas, assim criando uma Casa de Sementes. Situação semelhante à da Aldeia Viração, que a partir do roçado coletivo chegou à mesma conclusão.
O interessante desse evento foi a participação das juventudes de várias regiões do Ceará. Há um desafio comum, entre as duas experiências partilhadas, da falta de uma participação maior das e dos jovens enquanto guardiãs e guardiões das sementes, sendo, portanto, bastante gratificante o entusiasmo demonstrado pela moçada presente em participar ativamente desses processos em seus territórios.