OS POVOS DAS ÁGUAS SE JUNTAM PARA CONSTRUIR CAMINHOS SUSTENTÁVEIS PARA O BEM VIVER DAS COMUNIDADES PESQUEIRAS.

Na última quinta-feira, 29, pescadores e pescadoras de água doce e litoral do Ceará e Piauí participaram de um seminário virtual com tema “Uso sustentável da água e energia nos territórios do Ceará e Piauí”. O encontro foi um momento de partilha de experiências exitosas com Bioágua Familiar e Biodigestor, tecnologias de energia renovável que tem contribuído para o Bem Viver de comunidades tradicionais de pesca artesanal, que historicamente extraem seu sustento da terra e das águas de forma harmônica, sustentável, em contraponto a práticas depredatórias do grande capital.

O Sistema do Bioágua Familiar proporciona o reuso das águas despejadas das lavagens domésticas, conhecidas por “águas cinzas”, através de um sistema que favorece a irrigação de pequenas áreas como quintais produtivos. Essa tecnologia de convivência com o Semiárido apresenta resultados significativos para a segurança e soberania alimentar de famílias depescadoras e pescadores dos açudes das regiões dos Inhamuns e Crateús.

O Biodigestor, por sua vez, é um sistema de produção de biogás a partir resíduos orgânicos, como fezes de animais. É utilizada por comunidades tradicionais pesqueiras da Região do Delta do Rio Parnaíba e tem sido bastante útil, sobretudo num período em que o gás de cozinha chega a ser vendido por R$ 100, assim como outros produtos básicos que sofrem grande alta de preços, justamente num período em que a renda familiar sofre grandes impactos.

Segundo Luciano Galeno, Educador Popular do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras da Equipe Piauí, tais tecnologias contribuem para estabelecer a autonomia das comunidades tradicionais ao sistema capitalista moderno. “Imaginem se tivéssemos centenas e centenas de comunidades com tecnologias de convivência com o Semiárido implementados nos quintais de casa. Com certeza, não seríamos tão dependentes dos sistemas capitalistas como o agronegócio nos impõem” relata Luciano.

“O agronegócio, a mineração, o turismo desordenado, transposição das águas dos grandes rios, barragens, entre outros projetos destruidores dos bens naturais, estão impactando diretamente e desastrosamente a humanidade, estão atingindo o bem estar das comunidades tradicionais.” denuncia Camila Batista, Educadora Popular do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras da Equipe Ceará. Ela explica que é nossa responsabilidade buscar e pôr em prática métodos eficientes de resistência e de sustentabilidade.

“Nós pescadores e pescadoras sempre fomos guardiões dos rios, pois daqui tiramos nosso sustento quotidiano. Porém, quando os empresários chegaram no território, o equilíbrio dos recursos marinhos foi consideravelmente prejudicado, atingindo o setor da pesca artesanal”, explica Cleomar Ribeiro, pescadora da comunidade Quilombola do Cumbe, Ceará, que com muita alegria explica como essas tecnologias são uma esperança para as comunidades pesqueiras e símbolo na resistência contra os poderosos.

Segundo a irmã Erbenia Sousa, coordenadora da Cáritas Diocesana de Crateús, no Ceará, a caminhada ainda é longa, “porém não impossível! Através de momentos como este podemos impulsionar a sociedade civil a se organizar e mobilizar para contribuir na transformação social, a promoção, preservação, a gestão e a valorização dos recursos naturais”, concluiu. O seminário foi uma realização do Conselho Pastoral dos Pescadores e das Pescadoras, em parceria com MISEREOR, a Cáritas Diocesana de Crateús, a Associação Mãe das Associações da RESEX do Delta do Parnaíba – Amar Delta e a Associação de Pescadores da Ilha das Canárias – APECIC.

Incidência política pelos direitos e cidadania das pescadoras e pescadores artesanais de açudes.

Ontem, 06, a equipe do Projeto Pescadoras e Pescadores Artesanais, Construindo o Bem Viver nos Sertões de Crateús e Inhamuns, junto com pescadores e pescadoras de 07 dos 12 municípios acompanhados, estiveram reunidos virtualmente para discutir sobre os projetos de lei municipal. Participaram representantes do poder legislativo de quatro dessas cidades.

Tais projetos estão centrados em medidas de proteção social aos pescadores e pescadoras artesanais e também da pesca em si, ou seja, busca criar condições institucionais para que esta atividade continue existindo de forma sustentável. E por isso também aborda outros temas, como meio ambiente e recursos hídricos, que são intimamente relacionados à pesca.

“Essa mobilização é uma coisa inédita, pois tanto nos Sertões de Crateús e Inhamuns quanto em todo o estado do Ceará não existe um projeto de lei municipal que vise à proteção dos pescadores e pescadoras de açudes”, explicou Adriano Leitão, coordenador do Projeto Pescadores e Pescadoras Artesanais. Segundo ele, essas demandas chegaram desde um caminho que começou no ano 2013, quando a Cáritas Diocesana de Crateús se aproximou das comunidades pesqueiras, categoria muito invisibilizada naquele tempo e deu continuidade com o apoio de um co -financiamento da União Europeia em 2017 e desde de então estamos construindo coletivamente as propostas de leis.

João Rodrigues, vereador de Crateús, após reafirmar seu compromisso com a causa da categoria da pesca afirmou que “para que tenhamos políticas públicas transparentes e que deem resultados, é assim que temos que fazer: Juntar-nos, discutir e avaliar as várias opções e possibilidades que temos para fortalecer o bem estar da população pesqueira, ressaltando a importância do cuidado com o ambiente”.

Inicialmente, os projetos de lei serão apresentados na Câmara dos Vereadores dos municípios de Ipaporanga, Tamboril, Crateús, Novo Oriente, Independência, Arneiroz e Parambu ,“A caminhada ainda é longa, porém é o caminho certo para implantar políticas públicas, em âmbito local, capazes de dinamizar o setor pesqueiro em nossa região”, afirmou Ribamar do Nascimento, coordenador geral da Colônia Z58 de Novo Oriente.

*O Projeto Projeto Pescadoras e Pescadores Artesanais, Construindo o Bem Viver nos Sertões de Crateús e Inhamuns, é uma realização da Cáritas Diocesana de Crateús em parceria com CISV e CPP e com o co-financiamento da União Europeia.

Por Angelica Tomassini, comunicadora popular da Caritas Diocesana de Crateús

Incidência Política: Pescadoras e Pescadores de Novo Oriente dialogam com a prefeitura

Ontem, 16 , a Coordenação Colegiada dos pescadores e das pescadoras da Colônia Z-58 se encontrou na comunidade Flor de Campo, em Novo Oriente, e de lá se reuniu virtualmente com os representantes da nova gestão municipal, para monitorar o andamento das decisões tomadas na última mesa de negociação, que houve em novembro 2019 e para negociar novas demandas. Participou Claudino Sales Neto, Secretário de Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente. 

José Ribamar Nascimento, coordenador geral da Colegiada, manifestou a urgência de regularizar a documentação para o uso de um prédio escolar, localizado na comunidade Flor do Campo, e que há mais de um ano e meio deveria ter sido cedida para ser a sede da colônia. A conquista do prédio é fruto da mesa de negociação, porém os pescadores e as pescadoras nunca conseguiram usufruir dele por causa da burocracia que ainda não foi sanada. 

Os pescadores e as pescadoras também apresentaram para o secretário a necessidade da implementação de recursos técnicos que possam melhorar a qualidade do processamento do peixe. Já que o município de Novo Oriente receberá um recurso econômico via emenda parlamentar destinado à pesca artesanal, foi solicitada uma câmara frigorífica que beneficiará o coletivo e que, especialmente nestes tempo de pandemia, que causou a diminuição da demanda de peixe, permitirá o armazenamento do produto. 

Por último, os pescadores e as pescadores solicitaram agilidade na viabilização dos documentos requeridos para participar de editais públicos, como o DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf), título necessário para que os beneficiários da colônia possam manifestar interesse no Projeto São José IV, política pública do Governo do Estado do Ceará, que tem como objetivo aprimorar o acesso a mercados, adotar abordagens de resiliência climática e ampliar o acesso aos serviços de água e saneamento nas áreas rurais. 

O secretário Claudino Sales se declarou a favor das demandas dos pescadores e das pescadoras, e acrescentou que “esses momentos de diálogo são fundamentais para o desenvolvimento da atividade da pesca artesanal e para que vocês (pescadores e pescadoras) possam exercer sua profissão com o equipamento adequado e necessário”.  

A colônia Z-58 é beneficiária do Projeto Pescadoras e Pescadores Artesanais Construindo o Bem Viver nos Sertões de Crateús e dos Inhamuns, realizado pela Cáritas Diocesana de Crateús em parceria com CISV e CPP, e co-financiado pela União Europeia.

Por Angelica Tomassini, comunicadora da Cáritas Diocensana de Crateús

COMUNIDADES TRADICIONAIS PESQUEIRAS TÊM MUITO O QUE COMEMORAR COM A POSSE DE JOE BIDEN E A DERROTA DE TRUMP E BOLSONARO

Donald Trump deixa a presidência dos EUA pela porta dos fundos da Casa Branca, com um índice de reprovação histórico, em grande parte porque o gerenciamento criminoso da pandemia já provocou 400 mil mortes naquele país. Criminoso, porque foi um grande agente de disseminação de mentiras, ironizando orientações de especialistas em epidemiologia, desacreditando a ciência e retirando a participação da principal potência econômica do mundo da Organização Mundial da Saúde (OMS). Contudo, tal negacionismo absurdo e genocida afetou também outras áreas fundamentais para a vida, como o combate às mudanças climáticas. Dessa forma, a posse hoje de Joe Biden é um alento não só para as pessoas daquele país, mas também para todas as pessoas que defendem o meio ambiente, inclusive as pescadoras e os pescadores de açude do Ceará.

E por que isso? Como já explicou Papa Francisco na encíclica Laudato Si, vivemos numa grande casa comum, que é o planeta. Somos parte de um grande sistema, onde cada ação realizada aqui, afeta ali, e se tivemos uma das maiores secas desde que se há registro nas regiões dos Inhamuns e Crateús, seguido de enchentes que arrebentaram barragens e causaram enormes prejuízos, os especialistas explicam que isso é consequência do aquecimento global, que só pode ser combatido se revermos de forma urgente a forma como construímos as riquezas no mundo. O mundo não pode resistir mais a tanto desmatamento, a tanta poluição, a tanta destruição de rios, nascentes, da fauna e da flora. O mundo não suporta mais o capitalismo.

As principais vítimas da consequente falta de água, devido às estiagens prolongadas e a poluição de mananciais, são as pessoas empobrecidas. As que historicamente foram colocadas à margem da sociedade. E nesse grupo encontram-se as comunidades tradicionais pesqueiras de açude. Ora, se não chove, o açude não enche. Se não enche, não há peixe. E esse grupo de pessoas, sobretudo as mulheres, que sempre foram invisíveis perante parte da sociedade, acabam ficando sem o principal meio subsistência. E foi bem durante essa grande estiagem que o Projeto “Pescadoras e Pescadores Artesanais: Construindo Bem Viver no Sertões dos Inhamuns e Crateús” iniciou os trabalhos, colaborando para que políticas públicas fossem conquistadas, cursos e oficinas que capacitaram tal público para diversificação das formas de gerar renda, etc.

Contudo, embora muito importantes, tais ações são paliativas diante do enorme desastre ambiental que estamos experienciando. O ano de 2020, marcado pela pandemia, pelo negacionismo de Trump e Bolsonaro, também foi o mais quente da história. Ambas as lideranças questionam as mudanças climáticas, disseminando discursos de “pós-verdade”, negando a ciência também para esse tema. Joe Biden, que não deve ser visto como o salvador do mundo, longe disso, já anunciou que os EUA vão retomar o Acordo de Paris, que prevê metas ambiciosas na redução da emissão de gases poluentes, para reduzir o aquecimento global. Com isso, o governo Bolsonaro vai ser pressionado por um dos principais parceiros comerciais a rever a política ambiental.

Ainda é cedo para dizer que isso, de fato, vai causar um impacto efetivo na forma como lidamos com nossa Casa Comum. Mas o fato é que a posse de Biden hoje é uma enorme derrota política para Bolsonaro, para o negacionismo, o fascismo, para as várias expressões de extrema direita que perigosamente se espalham pelo mundo. E, consequentemente, é sinal de esperança para as comunidades tradicionais, grandes guardiães da Mãe Terra. Hoje é dia de celebrar esse importante passo no chão do caminho que nos leva à sociedade do Bem Viver.

Por Eraldo Paulino, comunicador popular da Cáritas Diocesana de Crateús